O Charme da Jóia  

Posted by: εïз Manu εïз



Namoro, noivado e a fraqueza do outro se chama “charme”. Primeiros
anos de casamento e ela se torna “descoberta”. Mais alguns anos e
atende pelo nome de “desafio”. Alguns cinco anos mais e fica à espera
de nossa decisão sobre o nome que lhe daremos: “decepção” ou
“tesouro”.

Se resolvemos, interiormente, chamá-la de decepção, desilusão,
frustração, o casamento tende ao fracasso. Se não o divórcio, nos
casos extremos, pelo menos aquela separação de mentes, de objetivos,
de corações. Aquela separação de vidas paralelas que não se encontram
nem no infinito.

Declaramos o outro “sem jeito”, desistimos dele, resolvemos procurar
a nossa própria vida, a nossa própria “felicidade” independente da
felicidade do nosso cônjuge.

Se, internamente, optamos por chamar o ex-charme de “jóia preciosa”,
de “tesouro”, estaremos colocando os óculos da caridade, que tudo crê,
tudo espera, tudo suporta, também – e especialmente! – no casamento.

É interessante observar como sabemos aplicar os princípios cristãos
da caridade no nosso relacionamento com os empregados, com os
porteiros, com os doentes, os miseráveis, a vizinha, o colega de
trabalho, os amigos do tempo de colégio, com gente importante, mas não
conseguimos sequer pensar em aplicá-los com nosso marido ou mulher.
Por que será?

A resposta que tenho colhido das pessoas é: “Com ele/ela eu não tenho
mais máscaras, posso ser eu mesmo/eu mesma”. Outros – muito raros –
são de uma franqueza chocante: “Por que com ele/ela não me interessa
mais...”. Outros ainda, de uma desilusão patética: “Porque cansei”.
Não sei qual resposta você daria a este enigma de porque, com o
cônjuge, tendemos a relaxar naquela caridade de I Cor 13. Sei, porém,
o que Deus quer, o que ele espera de você. E é que, com seu cônjuge,
mais do que com qualquer outra pessoa do mundo, você se esforce com
toda a sua energia a viver o mandamento da caridade, dando a vida por
ele.

A Palavra nos ensina que “ninguém abusa a própria carne”. Não
aplicar I Cor 13 ao meu cônjuge, é ofender a mim mesmo, uma vez que
ele e eu somos uma só carne e, onde uma é a carne, um é o espírito.
Antes de servirmos e amarmos o pobre, o doente, o prisioneiro, o
solitário, o órfão, a viúva, somos chamados a amar nosso cônjuge e
nossos filhos. Em geral, o fascínio, o heroísmo explícito, o “charme”
do serviço aos que sofrem – bom, indispensável para um cristão! –
atrai mais que o heroísmo invisível, discreto e – hoje em dia
considerado medíocre pelo mundo – de servirmos e amarmos nosso cônjuge
e filhos.

Santa Benedita da Cruz, a Edith Stein, alerta para o fato de
preferirmos “nos deixar pregar na cruz com o Cristo do que nos
tornarmos, com Ele, uma criancinha balbuciante”. Ela se refere ao
charme do heroísmo explícito em detrimento do heroísmo escondido no
segredo do coração – como o de Nossa Senhora – onde só Deus vê e
praticamente ninguém aplaude.

O tudo crer, tudo suportar, tudo esperar do outro, no casamento,
quando, dia após dia, hora após hora, ele revela a mesma fraqueza do
mesmo jeito, nas mesmas ocasiões, apesar de já termos conversado mil
vezes sobre o assunto, é, certamente, menos charmoso e explicitamente
heróico do que fazermos uma bela e empolgante pregação, darmos todos
os nossos bens aos pobres ou até entregarmos nosso corpo às chamas.

Talvez por isso tenhamos mães muçulmanas que tiram a última foto com o
filhinho no braço antes de se explodirem, optando pelo heroísmo
explícito e barulhento em detrimento do permanecer viva para criar,
mesmo na dificuldade enfrentada por seu povo, seu filhinho.

Mas, voltemos ao “charme da jóia”. Se optamos por ver a fraqueza
mais desafiante de nosso cônjuge como um verdadeiro tesouro, uma
verdadeira jóia, uma oportunidade imperdível de crescermos juntos no
perdão, no amor, na acolhida, no auto-conhecimento, na caridade de
Cristo, na santificação mútua, sua fraqueza, longe de ser um “defeito”
insuportável (quem tem “defeito” é geladeira, aspirador de pó,
liqüidificador, não gente!) passa a ser uma bela jóia, a mais bela,
preciosa e charmosa de todas: a jóia de nossa salvação.

O Batismo, que nos tirou o pecado original, que nos perdoou todo
pecado, toda culpa, toda pena; a Reconciliação, que nos perdoa o
pecado e nos deixa tão puros e belos quando por ocasião do Batismo,
colocam-nos diante de um paradoxo: libertam do pecado, mas não da
inclinação ao pecado – aquilo que chamamos concupiscências, que geram
nossas “fraquezas de estimação” – nossas e do nosso cônjuge. E a
gente, que tem mania de ser Deus, fica a querer perguntar: “Mas
Senhor, como é que você fez isso? Não dava para ter tirado tudo logo?”
Caso você tenha coragem de fazer esta pergunta explicitamente, dê uma
olhada para o céu e você vai ver Jesus, no meio de todos os santos,
inclusive de seus pais na terra e os diversos casais que João Paulo II
tem canonizado, sorrindo e piscando para você, brincalhão e
significativo, seus belos olhos: “É este o segredo: a fraqueza do teu
cônjuge, do teu irmão, não é desilusão frustrada, é o charme da jóia.
A jóia que eu te dei, escondida em mil camadas de pedra. A jóia que te
dá razão para lutar contra ti mesmo, para amar, para vencer o egoísmo
e dar a vida pelo teu cônjuge, que também é teu irmão.”

Ao ver Jesus assim, quem hesitaria tomar pelo braço sua agora
ex-decepção-desilusão e, todo feliz, dizer: “Vamos, meu tesouro, minha
jóia, para nossa casa” e saírem juntos, os dois, orgulhosos um do
outro como nos tempos em que a fraqueza do outro era “charme”?


Emir Nogueira

Fonte: http://www.comshalom.org/formacao/exibir.php?form_id=3075

This entry was posted on quinta-feira, outubro 13, 2011 . You can leave a response and follow any responses to this entry through the Assinar: Postar comentários (Atom) .

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